terça-feira, 23 de março de 2010

LIV - Mais um cadáver no roupeiro

À medida que a tremenda dor de cabeça se ia desvanecendo, comecei a tomar atenção à breve história que o Comendador insistia em contar-me.
A sua voz continuava a ecoar ao longe como se me tivessem enfiado num bidão metálico, mas lentamente fui-me apercebendo do que se passara.

Algumas horas atrás, o Salcedas tinha recebido um telefonema da Vanessa (... mas então fôra a ele que a luso-francesa telefonara?) a dar-lhe conta do que se estava a passar, incluindo da nossa travessia do rio, juntamente com o Joaquim Rega.
Segundo ele, era essa a função principal da jovem - fazer-lhe um relato diário e minucioso de tudo o que se passava na Herdade.
Apesar de ainda não estar completamente lúcido, perguntei-me a mim próprio se o relatório da Vanessa teria ido ao detalhe da noite anterior. Mas isso, agora, era o que interessava menos...

O Salcedas, que se encontrava em Lisboa, numa reunião com investidores estrangeiros, apressara-se a terminar o meeting, metera-se no seu jacto particular, voara até ao Porto e daí fizera o trajecto para a Herdade onde se deparara com o cadáver do seu colaborador e comigo profundamente inanimado.
Enviara então o motorista ao hospital da região de onde estre trouxera, quase à força e sem lhe dar tempo sequer de despir a bata, um dos médicos de serviço. O tal homem das barbas brancas...

Nesse momento, já quase recuperado, reparei que o referido motorista, que tinha ido até ao edifício principal da casa, já regressara e cochichava algo ao ouvido do Comendador.
Este, soltando uma imprecação em que as gentes do Norte são useiras, levantou-se num salto, demonstrando uma inesperada agilidade para a sua idade, e avançou para a casa em passadas enérgicas.
Sentido-me já restabelecido segui-o, mas mais devagar.

Nessa altura, reparei no pedestal da estátua do Pessoa, junto à qual me encontrava.
Parcialmente destruído, expunha a meio um buraco com cerca de 40cm de largura.
Nesse orifício, uma espécie de cofre cúbico sem porta chamava a atenção.
O interior estava vazio...

Embora a violência tivesse chegado à minha vida de um modo intenso e tivesse visto mais cadáveres vítimas de morte intencional nas últimas horas do que em toda a minha vida anterior, não estava preparado para a situação com que me deparei ao chegar ao vestíbulo da mansão.
A porta de um roupeiro de dimensões avantajadas, que dava para o hall de entrada, e onde se encontravam vários casacos e gabardinas, mostrava agora um cadáver que, mesmo na morte, mantinha muita da carga erótica que possuira em vida.
Com a pintura da cara esborratada e a saia curta a deixar entrever as coxas poderosas, Vanessa, a minha visita nocturna misteriosa, era soerguida pelo motorista do Comendador, enquanto este continuava a proferir palavrões, cada um mais forte que o anterior e esclarecedor do que o Salcedas pretendia fazer a quem estivesse envolvido em toda aquela história.

As perguntas que me surgiram de imediato, à mente ainda não totalmente restabelecida, foram " Então se esta também foi assassinada quem é que pôs a Dona Gertrudes a dormir? E onde é que essa está? Também estará morta?"

Mas no meu íntimo, eu sabia que toda esta enxurrada de perguntas só tinha como função fazer-me esquecer daquelas que me perseguiam desde o momento em que voltara a mim.

"O que se teria passado com a Cristina? Qual o papel da 'Foxy Lady' neste imbróglio das últimas horas?"

Um comentário:

  1. Com tantos cadáveres, deve estar a aproximar-se do grande finale!

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