quarta-feira, 3 de março de 2010

Memórias de um pressionado - Ferreira Fernandes

Quando, em 2002, começou o caso Casa Pia, as minhas primeiras crónicas foram de indignação. Eu não me excluía das culpas.
Aqueles miúdos estavam à nossa guarda, e os meus primeiros textos denunciavam a nossa distracção colectiva.
Pouco depois começaram a ser conhecidos alguns textos da investigação e, cedo, me dei conta da burrice com que ela era conduzida.
O beco sem saída que hoje já todos conhecemos era patente desde os primeiros meses de 2003. O atrevimento de quem nunca lera um livro policial e se propunha solucionar um imenso crime organizado deixou-me pasmado.
Se tivessem lido Agatha Christie, aqueles magistrados e polícias saberiam que não bastava apontar para o corpo para resolver o crime (para isso chegava o mordomo).
O que se lhes pedia era provar a relação entre o que acontecera à vítima e aqueles que seriam acusados.
Ora essa relação, lida através dos tais textos, era quase nula.
Chamei burra a essa gente. Semanas depois, a minha foto entrou no rol das que foram mostradas às vítimas como potenciais violadores.
Eu era o 52 ou 56 e, embora estivesse ao lado do cardeal-patriarca e de presidentes da República, não gostei.
Que eu me lembre ninguém da investigação me telefonou a pressionar.
Mas eu acho que foi pressão.
Olhem, continuei a chamar burro aos burros.

Ferreira Fernandes in Um ponto é tudo ( Diário de Notícias)

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Um comentário:

  1. Como se chama um aglomerado de burros?
    Pois que afinal vai se provar que foi tudo invenção de crianças, será possivel?
    Burros somos todos nós que acreditamos em alguma (pouca...) Justiça.

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