quinta-feira, 4 de março de 2010

XLI - Creme com perfume de Pêssego

De manhã, acordei com uma disposição excelente.

Levantei-me e abri a janela do quarto por onde se via, lá em baixo, o Douro em curvas serpenteadas por entre as vinhas, que se estendiam a perder de vista.
O céu azul, onde um sol enfraquecido tentava vencer o gélido da manhã, teria a sua cota parte neste meu estado de espírito.

Mas a verdadeira causa do alto astral que me envolvia era a visita nocturna que me transmitira uma calma mesclada de excitação que me fazia desejar, intensamente, rever Cristina, depois do que se passara, naquele mesmo quarto.
…Como é que ela iria reagir?

Conhecendo-a como já a julgava conhecer, não a via a fazer o papel da virgem arrependida que muitas mulheres adoram adoptar.
“ O que é que vai pensar de mim?!??” ou “Sabe que foi a primeira vez que fiz isto ?” são as duas frases que me fazem perder todo o respeito e interesse pelas minhas ocasionais parceiras de amplexos nocturnos, ou diurnos, claro está…

Dirigi-me para o chuveiro.
O tal cheiro a pêssego que impregnara os lençóis da cama, fazia-me recordar os gemidos roucos, o rasgar das unhas, o entrelaçar das pernas.
Apercebi-me que o deslizar pelas recordações, já produzia efeitos afrodisíacos.
Cortei a água quente, num gesto brusco.
O frio do jacto potente, provocou o efeito desejado…

Quando cheguei à sala do pequeno almoço, com ligação directa ao terraço, já a mesa enorme, estava coberta de queijos e doces caseiros, pães variados, sumos, leite e café, e até ovos mexidos e bacon, o que me fez recordar uma visita ao Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul, para onde viajara por razões profissionais, e onde me deparei com ‘cafés da manhã’ com mais de 50 variedades de produtos, que, vim a saber mais tarde, são uma das características turísticas da região.
Também aqui, nesta bela herdade debruçada sobre o Douro, e certamente por indicação do Comendador Salcedas, éramos recebidos com pompa e circunstância.

A minha divagação, coisa habitual em mim, fez com que não tivesse reparado que, sentada num cadeirão de orelhas com uma chávena de café numa das mãos e o eterno cigarro na outra, se encontrava Cristina, olhando-me com uma estranha expressão…

Aproximei-me, com o meu sorriso mais cativante.
“Já se levantou há muito tempo? Porque é que não me acordou?”
A resposta foi concisa “ Dormi pouco…”.

Nada que eu não esperasse, só que a dureza do olhar não deixava margens para qualquer tipo de interpretação mais dúbia ou indicativa da cumplicidade que eu esperava encontrar.
Algo se deteriorara. O que é que eu teria dito ou feito, de errado?

Passei em revista os gemidos, os abraços apertados, a entrega total
Fechei os olhos e quase senti, por momentos, as unhas a arranharem-me as costas, a maciez da sua pele, a temperatura das zonas mais escondidas.
A sensação era tão real que me parecia até, respirar no ar o cheiro a pêssego que deixara os meus lençóis perfumados até hoje de manhã…

Pressenti que alguém se aproximava.
Tratava-se da empregada mais jovem da casa.
A tal Vanessa, roliça e sorridente, filha de emigrantes.

O forte cheiro a creme de pêssego, que aumentava à medida que ela se aproximava, transportando um tabuleiro com torradas, era dela…

7 comentários:

  1. Adoro virgens arrependidas, é todo um conceito...

    Banda sonora à condição:

    Les Négresses Vertes , que por acaso não são mem mulheres, nem pretas ou verdes...

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  2. Esta história demoprou a engrenar mas agora já me fez esquecer os Crimes do Galo, que adorei.
    Este golpe de rins do perfume de pêssego foi sensacional.

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  3. E tu sá cum'é, costurá p'ra fó só na tua imaginagão.

    :-))

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  4. Adorei o episódio. Douro, paisagem, pequeno almoço, "aconchego" e...aroma de pêssego! Recordei os aromas da St. Michael e do Potter & Moore!

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  5. Só é pena que o protagonista, quando é que haverá protagonistas femininas? seja tão conquistador, porque a história e forma de escrita está óptima.

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  6. Mas, como é que o homem, depois de uma noite daquelas, havia de acordar mal disposto???!!!

    E eu não disse que, se calhar, não era a Foxy Lady?!
    Quêm não te conhecer...

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  7. Muito bom! até me cheirou a pêssego. Só a Contessa para advinhar esta...)
    Mas já agora, não estava a ver a FL cheirar a pêssego, mais baunilha ou canela

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