sexta-feira, 12 de março de 2010

XLVII - Um Rambo do Norte

O coração batia-me descompassado, prestes a explodir.
Nunca fizera serviço militar, nunca fora amante de caça, nunca ouvira disparos, a não ser no cinema ou na televisão, nem nunca vira um cadáver vítima de morte violenta, ao pé de mim.

E, agora, em breves minutos toda essa minha experiência se alterara.

O helicóptero, ao ouvir os disparos, percorreu a curta distância que nos separava de nós, fez um breve círculo para analisar os danos causados na equipa e depois afastou-se veloz, desaparecendo na linha do horizonte.
Para além do piloto, apenas viajava um outro passageiro, ao lado deste.
Apesar dos óculos escuros que lhe tapavam os olhos azuis e parte da cara, reconheci o sujeito.
Tratava-se do General Sousa, o Organizador Chefe do palacete de Sintra, o marido da minha ‘amiga’ Bia, ou Beatriz, se preferirem.
E esta, hem? como dizia o Pessa…

Reparei, então, noutra figura que se aproximava.
Vindo do lado oposto do rio, o que demonstrava que efectuara uma larga curva para ali chegar, o condutor do nosso barco empunhando a arma com que despachara dois dos russos, deixando o terceiro para a ‘Foxy’, parecia, assim em contra luz, uma personagem cinematográfica.
Mascarrara a cara com carvão, atara um lenço à cabeça para que o cabelo comprido não lhe caísse sobre o rosto, o que, somado ao casaco camuflado que usava habitualmente, lhe davam um ar seguro mas muito, mesmo muito, perigoso.

Por outro lado, Cristina já arrumara, há muito, a sua pequena, mas mortífera arma, e retocava a pintura dos eternos lábios vermelhos.
Como é que eu me metera numa história com ‘cromos’ como estes dois?

Ajudei o Joaquim Rega ( já não o conseguia chamar Ti Jaquim) a arrastar os pesados cadáveres até à lancha e foi durante o trajecto de regresso que ele me descreveu o seu passado que já contei atrás. Tive dificuldade em entender muitas das frases porque o forte sotaque e a troca constante dos ‘bês’ pelos ‘vês’ as tornavam pouco inteligíveis.
Quando nos deixara, tinha ido buscar a Uzi, uma pistola-metralhadora israelita que o acompanhava desde os tempos da África do Sul, e escolhera uma posição estratégica para o caso de alguma coisa dar para o torto.
Em boa hora o fizera, porque se estávamos vivos a ele o devíamos.

Mas, uma pergunta martelava-me o cérebro.
“ E porque é que em vez de despachar primeiro chefe que tinha uma arma encostada aqui na cabeça da…Cristina, liquidou primeiro os outros dois?”
Os sorrisos sobranceiros que os meus dois companheiros de travessia trocaram entre eles, mostraram que me consideravam um autêntico ‘maçarico’

Foi a vez da ‘Foxy Lady’ retomar a palavra, ela que permanecera em silêncio, a fumar cigarro atrás de cigarro, enquanto nós fizéramos o transporte dos corpos para o barco.
“ Os dois homens, para além de terem metralhadoras que com uma simples rajada nos poderiam mandar desta para melhor estavam afastados um do outro, enquanto que o chefe estava muito perto de mim, e o Joaquim sabia que me bastava uma breve distracção…”

A conclusão era óbvia.
Estava metido com dois profissionais, para quem eliminarem os adversários era prática corrente e para quem um segundo de diversão era bastante para sacarem de uma arma e dispararem à queima-roupa. Bonito…
Para tentar levar a conversa para áreas em que me sentia mais à vontade, mudei de conversa, dirigindo-me à Cristina.
“ Voltando às pistas encontradas no catavento e tendo em conta que terão sido criadas pelo Hemingway e, portanto, em inglês temos duas palavras…”

Senti que era, de novo, o centro das atenções.
“ Temos VEST que significa ‘camisola interior’ e VASE que quer dizer ‘vaso’…”

Fui interrompido pelo nosso piloto ( seria melhor chamar-lhe piloto-salvador?)
que, sem esconder as suas raízes, exclamou entusiasmado:

“ De camisolas não sei nada, mas aqui na Herdade existe um ‘baso’ muito antigo…”

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