segunda-feira, 5 de abril de 2010

LXI - O reaparecimento da MTH

A verdade é que a voz cava induziu-me em erro.

Quando me voltei, lentamente, para evitar algum gesto mais ireflectido por parte do meu interlocutor, esperava dar de caras com um calmeirão qualquer, talvez mesmo o tal Gavião, de que nunca ouvira um piu...
Para meu espanto, empunhando uma Walter de modelo antigo mas impressionante, estava a tal amiga da Cristina que conhecera embora de modo fugaz, no palacete de Sintra.
Relembrando as iniciais que estavam bordadas no lenço vermelho que ela usava nessa noite - MTH - consegui recordar-me do nome da personagem, Mercedes Trujillo Hernandez, a despeitada ex-namorada ( seria?) da eclética 'Foxy Lady'.

Desta vez, talvez devido à arma que empunhava e ao facto de, segundo ela, ter dado cabo de um profissional do calibre do Ti Jaquim olhei-a com mais atenção.
Uma figura magra mas musculada, com um olhar febril e intenso que denunciava um fanatismo cego.
A voz, além de cava, cuspia as palavras em alta velocidade, como que imitando uma metrelhadora verbal, e era precisamente isso que ela fazia, no momento, falando directamente para a Cristina, quase como se eu fizesse parte apenas da decoração da sala.

" Deves ter-te julgado muito esperta por me teres enganado...uma vez mais!" e vendo que a dona da casa não se dignava a responder-lhe" mas desta feita não vai ser como quando me puseste na rua por teres encontrado, finalmente, a tua opção de vida, passando por cima de juras e promessas".

Comecei a sentir-me a mais naquela discussão, melhor dizendo, monólogo, que mais se assemelhava a um ajuste de contas entre apaixonados. Mas a ressaibiada luso espanhola resolvera extravasar todos os queixumes acumulados...
" Mas pelo meu lado eu nunca te esqueci e jurei que serias minha ou de mais ninguém. O ter-me juntado às hostes do Coronel Sousa e acreditar no seu ideal de uma península ibérica una e poderosa, capaz de se tornar uma das grandes potências mundiais nem que para isso tenhamos que recorrer à guerrilha, à chantagem e ao terrorismo , para utilizar expressões que são queridas à pequena burguesia, acabou por me pôr a par das tuas movimentações, das do teu querido Miguel e do teu contratator, o Salcedas, que, sob aparência de objectivos comuns com os nossos, defende uma união ibérica muito mais democrática e ocidental, em suma, umas meias tintas sem qualquer significado ou ideal..."

Cristina movimentou-se na direcção da sua cigarreira de prata, aparentemente para fumar mais um dos seus inseparáveis cigarros, mas foi interrompida pela ordem cortante de uma Mercedes que parecia iluminada por uma missão divina "Alto aí...eu também tive instrução militar e sei bem os teus truques de isqueiros que lançam gás ou cigarreiras que disparam pequenos projécteis..."

Cristina optou por sentar-se no sofá baixo e cruzar as pernas, numa silenciosa manifestação de que, possivelmente, a megera armada teria acertado no seu prognóstico.
Apesar do perigoso da situação não pude deixar de contemplar os joelhos redondos e a alvura das coxas que se vislumbravam sem parcimónia na posição quase deitada, em que a 'Foxy lady' se colocara.
Olhando o rosto transfigurado da Mercedes percebi que a visão daquelas pernas esplenderosas a perturbava igualmente, mas apesar disso ela continuou, com uma voz talvez um pouco menos agressiva...
" Depois da incursão frustrada via helicóptero em que o comando chefiado pelo Coronel Sousa foi dizimado pelo mercenário que se encontrava na quinta e por ti própria, recebi ordem para avançar do Porto, onde estava aboletada, para ver o que conseguiria fazer com a ajuda da Gertrudes, a nossa agente infiltrada na casa que já limpara o sarampo a uma tal Vanessa que segundo me parece se derreteu toda com este...(o olhar de desprezo que me lançou tornou desnecessário acrescentar qualquer adjectivo depreciativo).

Foi a vez de ser eu a sentar-me, já que pelos vistos o discurso ainda ia ser demorado. Porém o meu cruzar de pernas não causou qualquer interesse na fanática armada.
" Quando cheguei à herdade estava este paspalho desmaiado no chão e tu mais o homem de mão do Salcedas, tinham escavado o pedestal da estátua e sacado de lá de dentro uma caixa que se preparavam para abrir..."

Só nessa altura a Cristina a interrompeu, julgo eu que para me dar uma explicação a mim próprio, já que foi na minha direcção que falou " Quem lhe bateu com o cabo da pá na cabeça e o pôs a dormir foi o Joaquim Rega, sem eu ter tido a mínima hipótese de intervenção e foi ele também que, depois de me ter desarmado, me obrigou a judá-lo na escavação da parte oca do pedestal até termos descoberto a tal caixa de que ela fala..."

A Mercedes não pareceu ficar muito contente por ter perdido, mesmo que momentaneamente, o protagonismo do discurso e retomou a palavra" Agora que já te explicaste perante este teu novo 'cavaleiro andante' vou terminar..."

Percebi, pelo canto do olho, que olhava de forma disfarçada para o relógio.
Mercedes pareceu não dar por nada.
" Acabei por ter que dar cabo do tal mercenário, que tentou opor resistência quando lhe disse para me dar o que acabara de encontrar, e julguei que te deixara bem presa com as algemas que te coloquei enquanto me despedia da Gertrudes, que se pisgou do local, seguindo as ordens do coronel. O pior é que quando voltei para junto da estátua tu já tinhas desaparecido e a caixinha também..."

Nesse momento, encolerizada sem razão aparente, avançou dois passos e balançou a pistola em frente ao nariz de uma sempre impávida 'Foxy Lady' " E agora ou me dizes onde está o que encontraste na base da estátua ou vais desta para melhor...embora eu ache que isso seria um desperdício"

3 comentários:

  1. Esta MTH com a Foxy não vai nada bem. Vamos lá a neutralizar "isso"

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  2. Isto promete...

    ;-)

    Ah, e encontrei mesmo a 'prova' de que houve assunto entre essa Mercedes e a Foxy, ora espreitem...

    :-D

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  3. Apesar da cena explícita apresentada pelo James, se a propriamente dita ler este "episódio", também não vai achar graça nenhuma...
    Aguardemos!

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