quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Rio !!! - Tony Bellotto

Minha sogra sempre fala do silêncio no Maracanã na final da Copa de 1950, depois que perdemos o jogo para o Uruguai.
Mesmo quem não estava lá, ou quem ainda nem tinha nascido, conhece aquele silêncio.
Faz parte de nosso DNA. É um tijolo importante na construção da nossa identidade cultural.
Se o Brasil estava na época preparado ou não para realizar uma Copa eu não sei.
Mas a poesia e a tristeza daquele silêncio permanecem como a inauguração de alguma coisa difusa, porém fundamental para nós, brasileiros.

Imagens do Rio povoam a mente de qualquer brasileiro.
Seja num cartão postal, num calendário ou numa cena de novela.
Algumas imagens eu não vou esquecer nunca: a noite em que os Titãs abriram o show dos Rolling Stones, eu em cima do palco, o coração saindo pela boca, vislumbrando aquele formigueiro sem fim, mais de um milhão de pessoas na praia de Copacabana.
E o que mais me impressionou: o número de barcos ancorados na baía, uma verdadeira favela iluminada em que barracos se transformaram em barcos.
E os Stones, intrigados: um milhão de pessoas e nenhum incidente grave, nenhuma rebelião, nenhum pisoteamento?

Para os cariocas nada demais, todos os revéillons na praia são assim, brother.
Como é que um negócio desses pode dar certo?
Numa das cidades mais violentas do mundo?
Ninguém jamais saberá explicar. Ou entender.
A insustentável leveza do ser carioca.
A cidade em que o aeroporto leva o nome de um compositor de música popular.
Aqui estão o bom-humor, a corrupção, a alegria, as balas perdidas e as licenças poéticas.

Das velhinhas de cabelo azul passeando por Copacabana aos gringos em safári pela favela, dos flanelinhas banguelas guardando carros na Barra às madames botocadas saindo do Gero, dos sambistas sorridentes da velha guarda aos clubbers doidões, virados de ecstasy, dos fotógrafos de celebridades aos bebês chorões, brincando na areia, dos pitboys lutadores de jiu-jitsu aos casais gays abraçados na Farme de Amoedo, ninguém se preocupará em entender. Ou explicar.

Continuam as imagens na minha cabeça: a ECO 92, Jello Biafra passeando despercebido pelos stands ecológicos. Não é o cara do Dead Kennedys?
Rubem Fonseca caminhando pelo Leblon, finjo que não vejo pra não encher o saco do Mestre. Não é a Juliana Paes? Onde? Ali! Os arrastões na praia, o abraço na Lagoa.

Meu filho de catorze anos foi assaltado pela primeira vez na semana passada.
Não liga, João, é assim mesmo. Ser assaltado, nessa cidade, é como participar de um rito de passagem.
Como uma primeira comunhão, ou um bar mitzvah.
Como sair numa escola de samba, ou comer biscoito de polvilho Globo na praia de Ipanema num domingo de sol.
Ou assistir a um Fla Flu no Maracanã. Ver uma peça de Nelson Rodrigues, adentrar um prédio projetado por Oscar Niemeyer.

A cidade vai penetrando a gente, mineiros, paulistas, franceses, marcianos, e não desgruda mais. Rock in Rio em Lisboa. Na boa.
O Brasil como ele é. Ronald Biggs, lembram dele? O mais carioca dos ingleses, a prova viva de que aqui até o crime compensa.
Ex-terroristas, generais de pijama, maconheiros e padres surfistas, crianças cheirando cola, empresários contando grana, ninguém jamais poderá explicar. Ou entender.
Meca de todos os grandes golpistas no cinema e na vida real, ex-capital da colônia, ex-capital do Império Lusitano durante as guerras napoleônicas, ex-capital do Império do Brasil, ex-capital da República, perene cidade maravilhosa, terra da beleza e do caos, o paraíso depois que Adão e Eva foram expulsos, mas ainda sob as bênçãos sólidas de um barbudo concreto com braços permanentemente abertos.
As contradições desabando sobre nossas cabeças como pedras numa avalanche.
Eu explico: as cidades, como as mulheres, não precisam ser entendidas, precisam ser amadas.
O barulho que escuto agora vindo da rua – buzinas, gritos, rojões – contrasta com o silêncio do Maracanã em 1950.
Mas confirma que vivemos novamente a inauguração de alguma coisa difusa, porém fundamental para nós, brasileiros.
A mim, resta conjugar na primeira pessoa do singular do presente do indicativo o verbo que expressa a alegria: Rio!!!

Tony Bellotto
( Guitarrista da banda Rock "Titãs" e autor de diversos romances policiais, tendo como herói o detective Remo Bellini )

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3 comentários:

  1. Um colírio para uma amante do Rio, como eu.
    Subscrevo por baixo...

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  2. As cidades também se amam !
    E O Rio de Janeiro que eu já defendi aqui no Galo, em natureza deve ser das mais belas e o carioca, violencia à parte, merece a estima do visitante pela sua criatividade e alegria de viver.
    Que saudades !!!

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  3. O meu é, por enquanto, um Amor não correspondido.
    Falo do Rio, claro...

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