Durante muitos meses, todos os dias via a velhinha no ginásio. Pequenina, seca e com um rosto de boneca de porcelana, parecia estar sempre a sorrir.
Era enérgica e frequentava a sala de máquinas e algumas aulas. Tinha um passo curto mas rápido, como se estivesse sempre a ir cumprir um qualquer objectivo.
Olhava para ela com ternura e admiração.
Perguntava-se se seria capaz de toda aquela energia diária quando chegasse à sua idade.
Um dia apercebeu-se de que deixara de a ver há muito tempo e não conseguiu evitar pensar no pior: “a velhinha morreu”.
Afinal, o exercício naquela idade tinha de ser mais moderado pensou, aproveitando para ponderar para si própria um abrandamento da actividade física.
Ao fim de quase um ano a velhinha reapareceu.
Mais gordinha e com um olhar muito fixo, sem tanto brilho.
Ficou tão contente por vê-la que, enquanto esperavam pelo início de uma aula e ao contrário do que lhe era habitual, dirigiu-se-lhe: “ há muito tempo que não a via por aqui”.
O rosto iluminou-se-lhe quando perguntou: “Ah! lembra-se de mim?”
E a partir desse dia a cumplicidade entre as duas ficou instalada.
Foi assim que ficou a saber que o afastamento do ginásio se tinha devido à doença e morte do pai e que afinal… ela não era tão velhinha assim.
Hoje, na sua idade, ela já achava que aos 70 anos ainda não se era velhinho.
Todos os dias ficava a saber mais qualquer coisa.
Tinha tido uma depressão a seguir à morte do pai, que não a deixava sair de casa, a tristeza instalada.
Depois os comprimidos começaram a fazer efeito, enfim tinha engordado um bocado, mas também na idade dela já não podia esperar um corpo de menina, e aos poucos tinha retomado a vida. “Agora, nem imagina, faço várias aulas no mesmo dia e também estou na universidade da terceira idade”.
As outras pessoas olhavam para elas com uma expressão que perguntava o que é que aquelas duas têm tanto a dizer uma à outra e havia mesmo uma monitora que chegava a ser ríspida com a velhinha, quando ela perguntava com entusiasmo se a perna era esticada ou flectida. Subitamente, aquela felicidade trazida pelos comprimidos irritava toda a gente.
Para ela, aqueles minutos em que alimentava a fantasia da velhinha de que a vida era bela, já faziam parte do seu dia.
Fazia-lhe perguntas, ensaiava sugestões, fingia aceitar-lhe os conselhos.
Mas já dava consigo a imaginar mais pormenores acerca da sua vida: com quem viveria? teria filhos? animais?
Até que numa manhã ficou a saber que a velhinha era casada e o marido estava vivo.
Contava-lhe ela que nesse dia tinha chegado ao ginásio antes mesmo de a porta abrir, levantou-se muito cedo, tomou um bom pequeno-almoço, o marido levantou-se para ela deixar a cama feita…
Como expressasse uma interrogação, a velhinha apressou-se a explicar: “ o meu marido prefere levantar-se a ter de ser ele a fazer a cama depois e então eu faço-a antes de vir, O AMOR É isso também, não é?”.
A aula começou nesse instante e ela não teve tempo para responder à velhinha.
Mas também não queria ter respondido.
Semprepinta
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
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Como sempre , com muita pinta nos conta esta Semprepinta.
ResponderExcluirMais um conto O Amor É, um mote nada fácil pese embora o facto de que todos sabemos ou pensamos saber o que é o amor.
O Amor É um mistério na vida da humanidade, tantas e tantas vezes arruinado pela violencia que não desaparece.
Semprepinta, os 70 anos dão sabedoria não significam velhice. Eu sei do que falo !!!
A Semprepinta que imagino seja um upgrade da antiga Pinta, melhorou bastante com o aditivo...
ResponderExcluirParabéns por este e pelo anterior!
O AMOR É...não tem que ter só temas sérios.
ResponderExcluirPara quando alguns mais leves, como os dos microcontos?
Também acho e sei que alguns 70 dão sabedoria, Zé Manel.Embora haja casos em que a sabedoria não é proporcional à idade. Tudo depende de como aproveitamos o que nos vai acontecendo.
ResponderExcluirPedro, O AMOR É sério!
Ó Sr. PMP, faz favor de ler os anteriores - todos! - que há lá um ou dois com bastante piada. Levezinhos e tudo, como pede. ; )
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