sexta-feira, 7 de maio de 2010

(Sobre)viver

A vida é curta. Demasiado curta.
Quando nos começamos a aperceber da razão porque andamos por cá, já estamos quase no final da mesma.

Serão mais felizes as pessoas que não têm projectos. Que se deixam envolver pela neblina rotineira do quotidiano, pelo ronronar satisfeito da missão cumprida (comprida?), pelas casas, carros, netos, filhos, contas bancárias, diplomas e honras várias. Pelos charutos e whiskies velhos, pelas peles e pérolas, pelos livros encadernados nas estantes, pelos quadros pendurados nas paredes.

Eu quero fazer tudo.Tenho ainda tudo para fazer. Olho para trás e vejo que, até aqui, só gatinhei...

Quero erguer-me, ganhar asas e voar. Sobrevoar os Andes, planar na Amazónia, refrescar-me em Iguaçu, cair em flecha nos arrozais de Chiang Mai, descansar num imbondeiro moçambicano.

Ainda tenho que ler milhares de livros, ver milhares de filmes, ouvir milhares de músicas, percorrer milhares de quilómetros.
Estou agora na puberdade, borbulhento, revoltado e contestatário.

Quero experimentar, sofrer e experimentar de novo...
Quero sonhar sonhos impossíveis e torná-los possíveis.
Quero viver cem vidas diferentes, ser homem, mulher, gato, cão e estrela do mar.

Quero mergulhar nos abismos, subir os picos de neve, entrar em vulcões extintos , envolver-me em lavas fumegantes.
Quero jogar com as palavras e as cores, os aromas, os sabores, fazer da noite dia, das manhãs um pôr-do-sol e da lua, madrugada.

Quero mudar o mundo, criar outro sistema solar, atravessar o universo, ver o cosmos do avesso.
Falar com Deus e o Diabo, com o norte e com o sul, com o Amor e o Ódio.

Quero sentir tudo e poder escolher.
Quero escolher viver, uma e outra vez...
Nascer e renascer.
Viver. Para sempre.
Ter tempo para tudo.


Nota do 'Galo': Encontrei por mero acaso, este texto entre outros que escrevinhei para o blog. Pela lógica, deveria ter sido publicado já há mais de um ano mas quando o procurei nos arquivos, não encontrei qualquer referência e, por isso, resolvi postá-lo.
Se já o tiverem lido, as minhas desculpas.
Se nunca o leram e estão a fazê-lo agora, pela primeira vez, as minhas desculpas, igualmente.

6 comentários:

  1. É uma explosão de energia este texto, sem dúvida!é bulímico e voraz, mobilizador! (cá estou eu...)
    Por vezes também sou assaltada por esta voracidade como que a cumprir uma promessa que fiz a dada altura da minha vida, quando tive de escolher entre continuar a viver ou não.Escolhi continuar a viver, como já se percebeu. Mas não tenho vontade de fazer ou experimentar muito mais coisas. Hoje escolho muito bem as ocasiões em que à partida sei que vou sentir-me bem e mesmo aquelas em que sei que vou sentir-me mal, mas que são inevitáveis.
    Estou longe de ser uma "desencantada", ponho entusiasmo no que faço, mas o meu olhar para a vida é distante. Não lhe volto a dar confiança.

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  2. O texto é excelente.
    Estou mudo, quedo, invejoso por não saber escrever assim and bowing J..

    ;-)

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  3. Ah ia-me esquecendo, e isto não é graxa:

    Esse teu comment Q. está perfeitamente à altura do texto.

    Just my honest two cents

    :-)

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  4. Não sei se já tinha lido o texto, se o li pela primeira vez! E não sei porque ele se enroscou tão sorrateiramente no meu imaginário que tenho dificuldade em reconhecer o que é seu, João, e o que é a tradução do que sinto, há alguns anos. Cinco, talvez!
    Sentimentos teluricamente expostos!
    Um abraço para si, João!

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  5. Pois é, vejam bem a diferença,o Autor escreve que até agora apenas gatinhou...não acredito mas aceito.E eu... só me espera contnuar a gatinhar, se possivel por mais algum tempo!
    É esta a poesia da Vida !

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  6. Entendo a voracidade do Galo e (re)conheço a desconfiança da Quimera.
    Quanto a mim, ainda hoje procuro a dose certa de equilíbrio entre as duas realidades...

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