A primeira vez que tinha sido levada perante um juiz tinha apenas 12 anos e tal visita saldara-se em vários anos no reformatório, e depois num saltitar permanente entre várias famílias que se fartavam rapidamente daquela adolescente esgrouviada, sem maneiras, suja no físico e no palavreado.
Mais tarde respondera perante os mais variados magistrados por um leque, igualmente vasto, de crimes e infracções.
Pequenos furtos, posse e venda de droga, prostituição, escândalo e desacato em plena via, desobediência à autoridade, agressões diversas, enfim, todo um catálogo da pequena, ou média, criminalidade.
A sua postura, o desinteresse com que ouvia as testemunhas, de acusação pois de defesa nunca existiam, o palavreado dos advogados, os conselhos paternais de alguns juízes ou as ameaças furibundas de outros, faziam com que as penas fossem sempre agravadas.
Achavam, e com razão, que não manifestava qualquer remorso ou sentimento de culpabilidade.
Era um caso perdido, de quem já não se esperava qualquer reabilitação.
Um produto do nosso sistema judicial, um parasita do erário público.
Naquele dia, nem ela sabia muito bem qual a razão que a levava a estar perante aquele juiz com quem já estabelecera outros diálogos, melhor dizendo, monólogos, porque dela quase nunca se ouvia palavra.
Mas este era diferente, não gostava de despachar os casos à pressa, como muitos dos seus colegas. Odiava que lhe retirassem protagonismo, que deslustrassem o brilho e a dignidade da Justiça.
Por isso, depois de ter chamado a acusada três ou quatro vezes, sem ter obtido qualquer resposta, bateu com o martelo de madeira e gritou colérico:
“ Sempre que eu falo, quero que me ouçam. Quando chAMO RÉ, cabe a si levantar-se e responder às minhas perguntas!”.
Só então, a dita Ré pareceu acordar e respondeu, sonolenta:
“ Ya méne, tô a gamar esta cena buéda. Mas agora tenho que bazar, vou dar de frosques…”
E, perante a estupefacção de todo o Tribunal, saiu pela porta larga, com um sorriso cândido no rosto.
Isabel Calçada
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
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Uma forma sui generis de ler a expressão!
ResponderExcluirCriativo!
O pseudónimo está, tb, "iluminado"!
Eu diria que a expressão está um pouco "aldrabada" mas com graça...
ResponderExcluirQuanto à Calçada,a outra, vamos lá ver se não acaba "descalça"...
Agora refiro-me ao comment da MTH
ResponderExcluirAo menos vamos dar-lhe o benefício da dúvida!
Para já porque parece cheia de vontade de que a "coisa" resulte, depois porque é uma mulher e detestaria saber que seria um homem a corrigir os erros de outra anterior mulher... Depois porque gostei dela nas anteriores funções e não gostava de a ver machucada. Depois...porque sim!
Ups...não sabia que era assim tão feminista! Chauvinista???
Com muita imaginação, sobretudo na "batota"...
ResponderExcluirE, nem de propósito, estou a olhar - embora de viés - para a entrevista de Isabel Alçada, na RTPN; uma boa imagem, aliada a qualquer coisa mais, para além dos livros que escreveu e do Plano Nacional de Leitura...
Esperemos!
Gostei muito, e a primeira vez que vi escrito "Aguenta-te à bronca e não dês de frosques" foi com o Lobo Antunes, citando Cardoso Pires, ou seria Dinis Machado ?
ResponderExcluirCalão do Cais 'Sidré' ??
Tenho uma mini-objecção (abjecção ?) em relação à palavra postura, tenho que meter uma cunha ao Antonio Houaiss e Cia. para a banirem, expulsarem, exonerarem, despedirem, enfim, mandarem para o c#$%&@o a dita palavra, cheira-me sempre a bosta de vaca...
:-)