segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Precisa-se de Matéria Prima para construir um País

"A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia,
bem como Cavaco, Durão e Guterres.
Agora dizemos que Sócrates não serve.
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão
que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo.
Nós como matéria prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA
é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude
mais apreciada do que formar uma família
baseada em valores e respeito aos demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente,
os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países,
isto é, pondo umas caixas nos passeios
onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL,
DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS
são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos,
que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel,
lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil
para os trabalhos de escola dos filhos ....e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas
porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo,
onde se frauda a declaração de IRS para não pagar
ou pagar menos impostos.
Pertenço a um país:
- Onde a falta de pontualidade é um hábito;
- Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.
- Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo
nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.
- Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.
- Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens
dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência
nem memória política, histórica nem económica.
- Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana
para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres,
arreliar a classe média e beneficiar alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução
e as declarações médicas podem ser 'compradas',
sem se fazer qualquer exame.
- Um país onde uma pessoa de idade avançada,
ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido,
fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada
finge que dorme para não lhe dar o lugar.
- Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro
e não para o peão.
- Um país onde fazemos muitas coisas erradas,
mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.
Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes
e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa,
apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito
para não ser multado.
Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado,
melhor sou eu como português, apesar de que
ainda hoje pela manhã explorei um cliente
que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.
Não. Não. Não. Já basta.
Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas,
mas falta muito para sermos os homens e as mulheres
que o nosso país precisa.
Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA' congénita,
essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui
até se converter em casos escandalosos na política,
essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres,
Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má,
porque todos eles são portugueses como nós,
ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...
Fico triste.
Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje,
o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar
com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo,
somos nós mesmos.
E não poderá fazer nada...
Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor,
mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado
a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco,
nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.
Qual é a alternativa?
Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei
com a força e por meio do terror?
Aqui faz falta outra coisa.
E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima,
ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram,
seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados
....igualmente abusados!
É muito bom ser português.
Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho
às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação,
então tudo muda...
Não esperemos acender uma vela a todos os santos,
a ver se nos mandam um messias.
Nós temos que mudar.
Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.
Está muito claro... Somos nós que temos que mudar.
Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:
Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos
e, francamente, somos tolerantes com o fracasso.
É a indústria da desculpa e da estupidez.
Agora, depois desta mensagem, francamente,
decidi procurar o responsável, não para o castigar,
mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento
e que não se faça de mouco, de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável
e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI
QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.


AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
E você, o que pensa?.... MEDITE! "

Eduardo Prado Coelho in "Público"
(1944-2007) Intelectual e Homem da Cultura, Ensaísta, Professor Universitário e Cronista ímpar.

Enviado por Mário Ortet

4 comentários:

  1. Claro que,o tipo de Povo que um País tem, condiciona,e muito,o desempenho possível dos seus Governantes,mas não sei se estou de acordo com EPC ao ilibar os segundos e ao atribuir as culpas totais ao Povo Português.Penso que o Povo está cansado das promessas, dos pedidos de sacrifício, da mediocridade, do compadrio, da corrupção, da falta de Justiça, Saúde e Educação ao nível do resto da Europa.Penso que o Povo está com uma autoestima como Nação e como Raça, pelas ruas da amargura, sem objectivos e sem destino.
    Com outros dirigentes,com uma Política real e realista,com metas previamente fixadas,com a verificação de resultados, com a melhoria da condição de Vida, para si e não só para os netos ou bisnetos, o Povo agigantar-se-ia, como já sucedeu várias vezes no Passado.

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  2. Apenas duas linhas.
    Permito-me discordar do comentário anterior e subscrever, por inteiro (e quem sou eu...), o texto - dos mais acessíveis que escreveu - de Eduardo Prado Coelho.
    Somente por uma razão: os Governos existem porque foram escolhidos e permitidos pelo Povo Português; as impunidades existem porque é o mesmo Povo a permitir que elas se instalem.
    A questão não está no "agigantamento" e no passado; está na indolência do presente e na indiferença pelo futuro.

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  3. E essa indiferença pelo Futuro e indolência com o Presente não se deverão ao facto dos jovens licenciados,depois de terem tirado um curso superior que lhes prometeram ser a chave para um futuro promissor,verem-se sem saídas profissionais ou a terem que aceitar subempregos?Não se deverá ao facto de uma pessoa,depois de anos e empenho canalizados numa profissão ver-se,de um dia para o outro, no desemprego,muitas vezes sem sequer a indemnização devida,e sem possibilidade de refazer a sua Vida?Não se deverá à verificação de que para alguns a impunidade campeia apesar das provas de corrupção,fuga aos impostos, pedofilia, ou outras, serem óbvias e evidentes?Não se deverá ao facto dos criminosos violentos e notórios,assim como traficantes de droga, violadores e similares andarem com toda a tranquilidade pelas ruas,cada vez menos seguras, e quando,por acaso,são presentes a um juiz, serem libertados de seguida?Não se deverá ao facto de muitos ganharem mais por não trabalharem e ficar em casa a receber subsídios, ou não plantarem ou colherem por causa de outros subsídios que lhes são dados de mão beijada?Estas minhas dúvidas e interrogações poderiam continuar por muito mais,mas fico por aqui.

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  4. Como jovem que sou,com menos de 30 anos,mas com grande experiência de vida ou pelo menos de pessoas variadas já que trabalho numa Companhia de Aviação,penso que a responsabilidade de muita da falta de emprego para os mais jovens deriva da sua falta de preparação técnica,cultural e humana.
    No meu caso pessoal, para além de uma licenciatura em Gestão,estudei três línguas até um nível bastante satisfatório,fiz um estágio no estrangeiro e arranjei um emprego, nada provisório, bem remunerado e que me dá grandes satisfações profissionais e pessoais.
    Cada um tem aquilo que merece ou para que se prepara.

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