segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Tal qual é - Miguel Esteves Cardoso

A verdade é que a vida não é curta.
Está cheia de tempos mortos.
Dá para fazer várias coisas ao mesmo (asneiras, estudar, ganhar algum) e ainda sobra tempo para não se fazer nada.

A vida só se presta a generalizações para nos enganar melhor.
Tão-pouco passa num instante, como pretendem os muito velhos, que se fingem surpreendidos. Eles estavam avisadíssimos.
A partir dos 19 anos – ou lá o que é – começa-se a entrar em decomposição.
Perde-se força e beleza.
É a maneira que Deus (ou a natureza) tem de nos avisar que, no máximo, só nos restam 70 anos.
Só acaba de repente, como começou.

De resto, fora as excepções cruéis, arrasta-se e, com intervalos mais do que decentes, vai-nos avisando do que se aproxima e das consequências da merda e do bem que vamos conseguindo fazer, sabe-se lá porquê.

Vem tudo isto a propósito não do sentido da vida (que é viver e não pode ser outra coisa) mas da pergunta acerca dela que se faz.
A pergunta não é "Que posso eu fazer com a minha vida, para que valha a pena?" mas "Que mais quero fazer, já que reconheço que, mesmo que eu morra amanhã, já valeu a pena viver o que já vivi?".
A vida, afinal, é um luxo, que encoraja a indecisão e a indiferença.

Os nossos pais, regra geral, morrem depois de termos fugido deles.
Os nossos filhos deixam-nos morrer antes - e sofrem de mais por causa disso, que não é mais do que a diferença de idades.
Onde já se viu tal equilíbrio?
Em lado nenhum; não temos comparação. Ainda bem.

Miguel Esteves Cardoso

3 comentários:

  1. Por acaso, não mais do que por acaso, sei porque estás tão sombrio, Miguel... mas é claro que não vou dizer.

    Excelente texto.

    :-)

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  2. E quando os nossos Pais já partiram. mas ainda cá estão. Estranho, não é? E torturante!

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  3. Um MEC pouco usual...

    E não é só torturante, Miss Sixty.
    É o Inferno. Mesmo.

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