segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Adeus até ao meu Regresso ( Guerra Colonial - Parte III)


Em Nampula, no Quartel General onde eu estava, ouvíamos, durante todo o dia, os helicópetros a chegarem com os evacuados.
Mortos, mutilados ou, nos casos mais felizes, feridos apenas.
Esta melopeia constante das hélices, transmitia-nos uma angústia que, dependendo da pessoa, tinha que ser acalmada.
Para uns através do álcool, outros nos muceques com as índigenas locais, ou para alguns, como era o meu caso, com fugas de fim-de-semana para as paradísiacas Ilha de Moçambique e Praia das Chocas. O grupo dos que escolhiam essa terceira opção era sempre restrito, dado que poucos militares tinham amigos civis. Eu, desde o início, tinha desenvolvido amizade com vários naturais de Moçambique, muitos de quatro e cinco gerações que, com a Independência, tiveram que deixar essa terra que tanto amavam e que, no caso do Mário Cabaço, militante da Frelimo, tinham ajudado a libertar. Bem, mas isso é uma conversa que poderá ficar para outra altura...
Os 200Km que separavam Nampula do litoral eram feitos em picada, por entre uma floresta, frondosa e exuberante. Um dia ficámos com o carro atolado, no meio de uma tempestade tropical, com relâmpagos e raios constantes e uma chuva diluviana. Nunca eu, ou os meus companheiros de viagem, o António, a São, o Mário ou o Pedro, nos iremos esquecer dessa sensação de tentarmos libertar o veículo, com as roupas empapadas, e o perigo eminente de um raio nos cair em cima. Aventuras tropicais...
A chegada à Ilha de Moçambique fazia-se através de uma ponte rudimentar com 3Km , construida nos anos 60, só que depois de a ultrapassarmos esqueciamos, de imediato, tudo o que tinhamos sofrido durante a viagem.
A ilha com 3 Km de comprimento e entre 300 a 400m de largura, de origem coralina, forma com as ilhas irmãs de Goa e Sena, ou das Cobras, a Baía de Moçambique.
O nome da ilha, segundo os nativos Muipiti, deriva de Mussa Bin Bique, ou Mussa Al Mbique, personagem de quem se sabe muito pouco.
Cidade de Pedra e Cidade de Macuti são as duas partes em que a ilha se divide, em função dos materiais utilizados na construção das casas.














Nas minhas visitas, e foram muitas, a esta ilha , uma das coisas que mais me incomodava era ver os sargentos lateiros ou os chicos, anafados e luzidíos, acompanhados pelas esposas, a serem puxados nos tradicionais ricoxós, por um franzino indígena local. Se a mim me causava revolta, imaginem a ele...






Os habitantes da Ilha de Moçambique eram, na sua maioria, de religião muçulmana , como atesta a Mesquita ao lado, e exímios artífices em prata, criando jóias muito cobiçadas pelas dondocas de Nampula.
A minha amiga São, Espadanica como eu lhe chamava, mulher do já mencionado Mário Cabaço , era uma compradora compulsiva dessas peças.









Na Fortaleza de S.Sebastião, construida totalmente com as pedras que constituíam o balastro dos navios, e que é a maior da África Austral, roubei uma bala de canhão ( esfera de ferro com cerca de 10cm de diãmetro) e que, a partir daí, me acompanhou para todos os lados onde o Destino me levou , Estados Unidos, Brasil, de novo em Portugal. Acabaria por deixá-la, numa das contracurvas da Vida, de que já aqui falei, nem sei bem onde...


Durante séculos, o principal comércio da Ilha
foi o envio de escravos para o Brasil,
o que com a independência deste, terminou, voltando a Ilha
a um marasmo de que nunca recuperou.
Mas era mesmo esse marasmo, tranquilidade
e a ausência do ruído das pás dos helicópetros que eu, e os meus amigos, procurávamos
quando passeavamos nas ruas silenciosas
ou nas praias tranquilas.

Foi de propósito que guardei a Praia das Chocas para o fim...
Águas quentes de um azul turquesa, cardumes de peixes, golfinhos e tartarugas.
Acham que já chega? Mas há mais...
Perto do Porto de Nacala, com a sua areia branca muito fina, emoldurada por coqueirais e outras árvores, a Praia das Chocas é uma das praias mais bonitas em que eu tive a oportunidade de estar.
E já estive em muitas, na Ásia, na Américas do Sul, Centro e Norte, e também, noutros pontos de África...
É obra ficar no Top, mesmo assim.













Por 20$00, cerca de 10 cêntimos actuais, comprávamos uma lagosta assada, um cacho de bananas e um ananás. Depois, acompanhando com uma bazuca, garrafa de cerveja de litro, era ir preguiçando na areia ou na água, até chegar a malfadada hora do regresso...
Não me posso esquecer que tinha, então, vinte e poucos anos, todo o tempo do Mundo, para o salvar e mudar, enfim...
...mas que estas recordações magníficas, ninguém mas pode tirar, lá isso é verdade.

Um comentário:

  1. Ai que saudades. Estas imagens fizeram-me relembrar os locais das minhas férias de verão. Aquelas águas quentes e deslumbrantes. Há ilha de Moçambique ia várias vezes durante o ano. Na altura com apenas 11, 12 anos e tendo apenas aqueles paraísos como referência, assalta-me agora a ideia de não lhes ter dado o devido valor.
    Talvez um dia quem sabe possa rever a minha terra de nascença e aqueles espaços, já num novo enquadramento, pois infelizmente o estado de degradação de alguns locais é assustador.

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