segunda-feira, 22 de junho de 2009

Lá em cima

Cheguei muito rapidamente lá acima e vi-me frente a uma bela porta em madeira, com relevos cujo sentido não consegui decifrar. Olhei para as ombreiras procurando uma campainha mas nada vi. Talvez a alternativa fosse a aldrava de razoáveis dimensões, quase à altura dos meus olhos.
Com algum esforço, era mesmo pesada, bati com ela na porta que quase instantaneamente se abriu sem ruído parecendo flutuar nas dobradiças douradas.
Surgiu alguém que deveria ser o porteiro, impecavelmente vestido com camisa, calças e casaco brancos, imaculadamente brancos.
O cumprimento reduziu-se a um leve baixar de cabeça acompanhado por um simpático sorriso e um aceno de mão indicando a direcção de outra porta no final de um corredor, docemente iluminado por projectores estrategicamente colocados ao nível do solo e apontados para o tecto que apresentava pinturas lindas lembrando o traço e as cores das obras de Rembrandt.
Lá fui caminhando apreciando a cada passo tudo o que meus olhos abarcavam até que me vi de novo perante a outra porta, esta com um aspecto mais semelhante a todas as que eu conhecia.
Abriu-se mal ali cheguei e deparei com um enorme salão cheio de gente sentada em confortáveis sofás e cadeiras tudo disposto aparentemente de forma aleatória ou mesmo desordenada .
O barulho das conversas era ensurdecedor, de tal forma que a minha entrada passou despercebida, tal como eu desejava.
Escolhi um grupo mais pequeno de quatro ou cinco pessoas e para lá me dirigi com extremo cuidado para não esbarrar com algum dos presentes, o que consegui com algum esforço.
Apresentei-me.
António Fagundes de minha graça e ao vosso dispor.
Fórmula arcaica mas que resultava sempre pois colhia a aprovação de quem a escutava, alguns pela primeira vez como parecia ser o caso.
Depressa me integrei na conversa ao mesmo tempo que escutava num altifalante o chamamento dos presentes que a intervalos de poucos minutos iam passando por uma cortina que certamente dava acesso a outra área mas que não me concedia campo de visão para olhar lá para dentro.
Aguardei pacientemente que chegasse a minha vez, confesso que invadido por muito nervoso mas sem receio.
Desconhecia o que me esperava e com muito espanto constatei que os que ali entravam não regressavam à sala. Certamente seguiam outro caminho.
Quase dei um salto na cadeira quando escutei a chamada com o meu nome sussurrado docemente mas que por incrível que pareça se sobrepunha facilmente ao vozear que ali imperava.
Caminhei em passo aparentemente seguro mas sentia o corpo a tremer de ansiedade e confesso com medo, medo mesmo.
Enchi o peito de ar e entrei.
Luz fortíssima que quase me cegou e uma ordem firme para avançar e me aproximar de uma mesa onde alguém que eu não distinguia, ia citando o meu nome, data e local de nascimento e depois, incrivelmente, episódios da minha vida que eu jamais revelara a ninguém.
Como saberia aquela personagem tanta coisa sobre a minha pessoa ?
Entregue a estes pensamentos quase desfalecia quando vinda de um pouco mais longe, uma voz forte e tonitruante interrompeu o solilóquio dizendo, Pedro já chega, eu sei bem quem é o Fagundes e o que andou fazendo lá em baixo, pega no teu molhe de chaves , abre a porta da esquerda e empurra-o direitinho para o Inferno.
E cá estou eu.

Carapau de Corrida

5 comentários:

  1. E o Carapau com as coisas que diz estava à espera de ir para onde ? Para o Céu ?
    Deixe lá que a malta com interesse vai toda fazer-lhe companhia...
    E o António Fagundes foi homenagem ao bonitão das novelas, e não só, brasileiras ?

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  2. O Inferno é cá em baixo para aqueles que vivem uma vida abaixo deos mínimos decentes sem casa, alimentação, justiça, saude ou educação.
    Para esses a vida é um verdadeiro Inferno.
    O outro é para assustar os "crentes"...

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  3. O Carapau com a sua boa disposição de sempre.
    No Inferno é que estão as meninas boas das famílias más e as meninas más das famílias boas, por isso está muito bem acompanhado.

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  4. E eu que sou garota boa de família óptima onde vou ficar ?

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  5. Este conto é mais uma achega para ir para o Inferno

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