Adorava passear sozinho na praia, no grande areal deserto, em manhãs de neblina.
Lentamente, sem pressas, de olhos perdidos no infinito, na orla branca das ondas, embrenhava-se em pensamentos, em sonhos, em divagações.
O que teria sido a sua vida se não fosse quem era?
Lera há pouco um texto que falava em apanhar conquilhas.
Lembrava-se também de uma passagem acerca de pasta de atum…
Salivava só de pensar em tal.
E depois alguém, requintado por certo,
comentara das delícias de uma cerveja gelada ao entardecer.
Cerveja? Gelada?
Continuou a caminhada ,sem destino.
As imagens sucediam-se, confusas, em atropelos de montagem.
Imensos criados para o servir, mas nunca jogara à bola.
Roupas caras , dos mais finos tecidos, mas nunca tivera uns ténis Nike.
Dera-se com a nobreza de toda a Europa,
mas nunca fora ao Cinema nem ao Futebol.
Tinham-lhe arranjado uma noiva, que nunca deitara nas dunas.
A quem nunca tocara os seios, nem beijara os lábios.
Tinha estojos com jóias, rubís, esmeraldas preciosas.
Mas nunca mexera num I-pod, nem manobrara uma X- box.
Livros encadernados em carneira, com letras gravadas a ouro.
Mas não conhecia nenhum dos populares Harry Potter.
Gostava tanto de ter sido um rapaz igual aos outros adolescentes.
Com jeans em vez das suas calças tufadas.
T-Shirts da Lighting Bolt, relógios da Swatch.
Boné como o 50 cent, mochila DC.
A frequentar discotecas e festas de aniversário.
A viajar em Inter Rail pela Europa fora.
Ele que gostava de visitar países exóticos…
Embora nem sempre se desse bem.
Olhou à volta. A neblina pouco deixava ver.
Mas, mesmo assim, vislumbravam-se casais deitados na areia húmida.
Como húmidos eram os beijos sôfregos que trocavam entre si, sem se aperceberem, sequer, da passagem daquele jovem louro, de traços imberbes, que qual alma penada , deambulava pelo extenso areal.
Deixando-se envolver, mais uma vez pelo seu profundo desespero de não ser como os outros.
De não fazer tudo o que via os demais jovens usufruírem, com prazer,
D. Sebastião esporeou o branco alazão
E desapareceu, mais uma vez, no denso nevoeiro.
Acácio Kibir
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terça-feira, 23 de junho de 2009
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Fui mesmo levada...
ResponderExcluirDo pouco que tenho lido da Moira, também a acho levada...
ResponderExcluirEsta personagem muito tem feito pelo nosso eterno desalento, falta de confiança em nós próprios, e a eterna espera do Salvador...
ResponderExcluirQuanto ao Conto, gostei da narração e da surpresa final. Boa, Acácio...
Caro Acácio, espero que não seja o Conselheiro,parabéns pela sua estreia.
ResponderExcluirAqui está um conto com princípio, meio e fim, para além deste ser inesperado.
Como é que dizia a Quimera no outro dia? Que de tão inesperados, os finais se tornavam esperados, mais coisa menos coisa?
Mas este foi, totalmente, surpreendente, pelo menos para mim...
Delicioso conto, Kibir. Muito bem escrito, se posso afirmá-lo. E qualquer coisa me diz que não é uma estreia...
ResponderExcluirA primeira parte do seu comentário é gentileza sua, a segunda é verdade.
ResponderExcluirCoitadinho do D.Sebastião...vou ver se nalguma manhã de nevoeiro o vejo na praia e lhe apresento alguma das minhas sobrinhas.
ResponderExcluirQuanto ao não estreante Kibir, está de parabéns.E porquê a muda de assinatura ?
Vou baralhar tudo!
ResponderExcluirPG, não é "muda de assinatura" é heterónimo!!!!!!!!!! Não acha?
O conto está na verdade a merecer ovação: clap, clap, clap...