Nasceram na mesma aldeia, com um intervalo de quinze dias.
E a distância de duas casas, já que o pai dum, pedreiro, especializado em pequenas obras como paragens para a camioneta mas, também, em casas e estábulos, era o melhor amigo do pai do outro, dono da única venda do lugar, onde se podia encontrar desde agulhas a pequenas máquinas agrícolas, à mistura com alguidares e baldes de plástico que, aos poucos, iam substituindo as velhas celhas de madeira e zinco, que apodreciam pelos cantos das casas dos mais velhos.
As primeiras brincadeiras foram, igualmente, conjuntas, com a bola de trapos no adro da igreja, a colocarem armadilhas para os pássaros nas figueiras de aromas densos ou a apanhar quilos de amoras e a sujarem as bocas e as parcas roupas, para desespero das mães de ambos.
Entraram na Escola exactamente no mesmo dia e ficaram sentados lado a lado, na mesma carteira. A professora, lisa como uma tábua e ressequida pelos azedos da vida, era a Dona Henriqueta, senhora piedosa, que punha no ensino todo o vigor que não conseguira canalizar para outras situações.
Ao Domingo iam à missa do Padre Abílio, clérigo que fazia trinta quilómetros todas as semanas, para vir até aquele lugarejo solitário, ouvir em confissão e dar a comunhão a meia dúzia de católicos, católicas melhor dizendo, empedernidos.
Os dois, Marco e Paulo, entretinham-se a mirar as miúdas mais velhas da aldeia, irmãs, no geral, das suas colegas da escola.
E se tinham sorte, lá viam a coxa duma até mais acima, num cruzar de pernas mais distraído, ou mais premeditado, vamos lá nós saber.
Ou a curva inicial dum seio, por entre as blusas de algodão, compradas na venda do pai do Paulo.
Numa fase mais avançada da adolescência, e durante as festas anuais da aldeia em que chegava imensa gente de fora, até da França, lá conseguiram iniciar-se nos prazeres da carne com umas filhas de emigrantes, de sangue quente e experiência avançada.
Foi então que a velha professora, apareceu morta no banco frente à igreja, com o missal caído no colo. O rosto aparentava, finalmente uma calma, nunca conseguida em vida. Ao enterro apresentaram-se todos os antigos alunos.
Paulo, Marco e os pais respectivos, ajudaram a transportar o ataúde.
A professora nova apareceu na semana seguinte.Marco apaixonou-se, mal ela desceu da camioneta. Ajudou-a a levar as malas e sentiu-se vermelho como nunca.
As ancas estreitas, o busto voluntarioso, o vermelho dos lábios.
Aquela era a mulher da sua vida.
Correu a contar a novidade aos seu grande amigo .Este abraçou-o, feliz. Mas a felicidade durou pouco. Quando na manhã seguinte a jovem professora entrou na venda para umas compras de primeira necessidade, Paulo ficou siderado.
Gaguejou, não conseguiu acertar nas contas.
Sentiu-se irremediavelmente apaixonado.
Começaram, então, a aproximarem-se da professora, ou pelo menos a tentar, e a afastarem-se cada vez mais, um do outro.
Se um lhe levava um cesto de fruta, o outro oferecia-lhe um queijo artesanal.
Se um a convidava para um mergulho na barragem o outro sugeria um passeio na sua motorizada nova.
Os dois, Marco e Paulo, já não se falavam. Desviavam o rosto quando passavam um pelo outro. Evitavam ir à taberna quando o outro lá estava. Deixaram de ir à missa.
Até que dois meses depois chegou, do Estrangeiro, o noivo da jovem professora.
Casaram passadas duas semanas e foram de lua de mel
Marco e Paulo tornaram-se, de novo, os melhores amigos, desta vida.
Morgado dos Canaviais
sexta-feira, 19 de junho de 2009
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E, como de costume, a"má", a "culpada", a"causa da desgraça masculina" foi a Mulher, esse poço de Pecado.
ResponderExcluirOs homens viviam na Paz dos anjos e mal ela desapareceu, essa Paz voltou.
Até poderia ter gostado da forma, mas o conteúdo...
E quanto à assinatura, Morgado ???
...Segurem-me, que eu faço uma desgraça !!!
ResponderExcluirBom conto, com graça e com poder de observação.
Agora a assinatura? podia ter escolhido Morgadinha ( estou a brincar).
Um ambiente rural mais modernizado.
ResponderExcluirOs Fidalgos da Casa Mourisca actualizados.
Daí o Morgado ?
Se eu fosse a professorinha, ficava com os dois e eles iam ver com quantos paus se faz uma canoa...
ResponderExcluirSe fosse uma comédia tipo Pátio das Cantigas os Dois Amigos podiam ser com o Mário Soares e o Manuel Alegre,o Mário Soares e o Salgado Zenha, o Marcelo Rebelo de Sousa e o Paulo Portas,o Paulo Portas e o Manuel Monteiro, o Dias Loureiro e o Oliveira Costa,o Durão Barroso e o Santana Lopes, etc, etc etc...
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