E cometo três ou quatro vezes por ano o supremo requinte de percorrer quase cinquenta quilómetros para confiar essas revistas ao meu bom amigo Pedro Sousa, artista ímpar na arte da encadernação, saindo as mesmas, mais tarde, com uniformes pomposos e a respeitabilidade de lombadas dignas de se aprumarem nas estantes.
Não posso deixar de assinalar a edição portuguesa da National Geographic, sem dúvida uma das revistas de maior qualidade do País, em circulação desde Abril de 2001 e que na minha biblioteca já ultrapassa a vintena de volumes. Outra das predilectas, mal-grado o grafismo um tanto austero, é a britânica e centenária Nature, cujo último número me arrastou para os devaneios filosóficos que adiante partilharei convosco. Em destaque, as contínuas descobertas permitidas pelos prodigiosos microscópios electrónicos em incessante evolução há três décadas.
O tema do infinitamente pequeno (a par do infinitamente grande) é recorrente nestas revistas. Deslumbrantes, de puro assombro, os textos e as fotos sobre os universos que se revelam nos pólos micro / macro do infinito, sendo que o conceito de infinito é tão indefinível que permitiu a António Gedeão descrevê-lo, num poema, como «essa incomensurável distância de meio metro que vai do meu cérebro aos dedos com que escrevo.»
No que respeita ao mundo microscópico, os novos desafios consistem, se bem interpretei, em aprofundar a exploração da estrutura interna dos organismos, o que se faz há muito tempo, porém agora numa dimensão visual tão infinitamente pequena que permitirá descobrir «novos universos dentro do micro-universo.» Alucinante. O micróbio que sem inibição e de boa fé posava para a fotografia, porque exibia tão-só a roupagem exterior, encobrindo com justificado pudor o que estava por debaixo, agora é tramado por um sôfrego voyerismo electrónico que não olha a meios para atingir as tripas.
«Todo o enigma da vida», escreveu Teixeira de Pascoaes, «está fechado na cabeça de uma formiga.»
Pascoais gostaria de saber que já podemos viajar pelo interior da cabeça de uma formiga. Interrogar-nos-ia:
– E o enigma, desvendaram?
Seríamos forçados a um trejeito negativo, de desalento, como o farão talvez os nossos sucessores do próximo milénio, dos próximos milénios.
– E o enigma, desvendaram?
– Não – responde com amargura Edgar Morin, o meu filósofo. – O segredo está em nós, mas ignoramo-lo e ele é incompreensível. É o mistério do mistério. Continuamos cercados por esse mistério.
Fecho a revista Nature e por um instante parece-me dramático, inglório, inútil, podermos viajar pelo interior da cabeça de uma formiga.
Nota: na impossibilidade de obtermos uma imagem do interior da cabeça de uma formiga, reproduz-se a cabeça de uma mosca.
Pedro Foyos
Jornalista
Pedrinho, quando é que você com esse seu ar de membro da Academia, vem visitar o interior do cérebro, para começar, desta zinha aqui?
ResponderExcluir