Num dia em que os seus pensamentos tinham som de zanga com a vida, clickou na opção “convidar para amigo”.
Dez minutos volvidos e a resposta: “Radja74 aceitou o teu convite para amigo”.
Seguiram-se dias intensos no Hi5.
Escreveram comentários na página um do outro, trocaram fives carregados de mensagens subliminares, visualizaram as fotografias até sentir o resgatar da alma roubada pela máquina fotográfica.
A troca de emails e as conversas online aconteceram rápida e naturalmente, como se de uma fatalidade se tratasse.
Aprenderam formas abreviadas de conversação na net, construíram a sua banda sonora a partir de downloads ilegais, descodificaram temperamentos a partir da forma escrita.
Partilharam retalhos da vida de cada um e os nicknames caíram.
Trocaram números de telemóvel e estudaram timbres e inflexões de voz.
O encontro físico impôs-se.
Ele atravessou o país, rumo ao local do encontro, combinado numa das muitas conversas online: na praça principal, junto ao quiosque verde.
Ela de camisola vermelha, ele de camisola rosa.
Trocaram mensagens enquanto se procuravam na multidão, indicando coordenadas de referência.
Ela avistou-o, finalmente!, e o piano dos desenhos animados caiu-lhe em cima.
Mais a orquestra…
Apaixonou-se e ainda não tinha atravessado a estrada que os colocaria frente a frente. Surpreendida e nervosa, agarrou no telemóvel e enviou a primeira sms que lhe aconteceu na cabeça, para a primeira pessoa que lhe ocorreu (e a resposta confusa do outro lado, de quem não percebeu a mensagem).
Encontraram-se.
Os beijinhos circunstanciais e a desculpa esfarrapada de estar ao telemóvel por necessidade imperiosa de trabalho.
A resposta irónica, de quem entendeu tudo:
“- OK! Não quero que sejas despedida por minha causa!”
Decidiram ali que iriam até à praia mais próxima.
O depósito de gasolina na reserva a indicar o local, variável insignificante no resto da equação.
A praia, digna de um qualquer cenário tailandês de um filme de Hollywood, a amparar-lhes o embate, vítimas de uma conjugação cósmica feliz, só contrariada pela formação de gaivotas em “V” que passou no céu, a augurar um mau presságio.
Não deram importância ao presságio e filosofaram sobre tudo e nada.
Ele acreditava que os acontecimentos não são nunca fruto do acaso.
Ela defendia que a vida é aquilo que fazemos dela.
Ele falou ininterruptamente sobre o sentido da existência e o destino.
Ela, calada, ouvia-o e pensava, numa aflição:
“- Olha para onde tu quiseres, mas não olhes para ele, que ele vai perceber…”
Despediram-se.
Os beijinhos circunstanciais e um vislumbre no carro, os olhos a despedirem-se num “até breve”.
Nos dias que se seguiram, sentiu-se uma adolescente.
A falta de apetite, o tremer das pernas, as borboletas no estômago quando lhe ouvia o nome, os olhos presos no monitor do computador…
Sonhava acordada e questionava-se sobre a improbabilidade do que lhe acontecia.
Combatia a “coisa” mas a “coisa” permanecia.
Doida, completamente doida, mas feliz!
Sentia-se a pairar no ar.
Lia o horóscopo todos os dias e interpretava sinais em bandos de pássaros.
Apetecia-lhe calçar galochas e saltar poças de água da chuva, cantarolar rimas infantis.
Uma Salta-Pocinhas!
Era a sua vez de atravessar o país para um segundo encontro planeado online.
A roupa cuidadosamente escolhida.
As coreografias afectivas ensaiadas.
As borboletas no estômago e as galochas calçadas.
O carro atestado. No último instante da viagem, ele a dizer que não podia.
Porque não conseguia contrariar augúrios de pássaros.
E um piano a cair desarticulado sobre a sua cabeça.
Mais a orquestra…
E num dia em que os seus pensamentos tinham som de zanga com a vida, ela olhou para a caixa no ecrã do computador que dizia
“ Delete contact?” e pressionou a tecla.
Maktub
sexta-feira, 26 de junho de 2009
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Gostei muito.
ResponderExcluirRitmo "arfante" convidando-nos a perceber o fim DEPRESSA!
Parabéns Mak!
Quase que diria que este Maktub assume mais do que uma personalidade entre os contistas, há aqui um ritmo e um estilo que já vi noutros. Gosto.
ResponderExcluirTalvez, com exclusão do Feeling Estranho, que escreve em tantos géneros e estilos que, penso eu, não lhe sobra mais nada para os heterónimos, parece-me que o mesmo autor aparecer com várias assinaturas ou heterónimos, se preferirem, deve ser prática corrente pelo lado dos contistas, onde infelizmente não me incluo.
ResponderExcluirE falando dest Maktub só tenho a dizer que gostei muito.
Parece que me caiu o piano dos desenhos animados em cima... (deliciosa imagem)
ResponderExcluirO seu estilo, Maktub, fez-me lembrar o meu.
Desculpar-me-á, então, a enorme falta de modéstia se lhe disser que adorei o ritmo, o tema e a mensagem. Bem vistas as coisas, adorei o conto.
Vemo-nos por aí!
Dear Prudence:
ResponderExcluirCurioso referir pontos de contacto entre os nossos estilos. Os seus Micros encontram-se, no seu conjunto, entre os meus preferidos.
Vemo-nos então por aí!
Os encontros e desencontros virtuais podem ser muito dolorosos, principalmente se houver mecanismos masculinos a funcionar pelo meio.
ResponderExcluirBom comto, com a qualidade habitual, que é sempre alta, da Maktub.
Conto muito actual e oportuno, sem essa dos maus da fita serem os homens, MTH dixit.
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