quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Pescador

Adorava pescar.
Passar horas sozinho em cima de um qualquer rochedo escarpado, enfiado mar adentro.
Com a companhia das ondas revoltas, com o cheiro da maresia.
Ou partir de madrugada, com um grupo de amigos, até longe da costa.
Ver o pôr-do-sol, enquanto centenas de pequenos peixes salta nas redes.
Percorrer quilómetros de carro até aquele riacho onde as trutas abundam.
Até aquela enseada escondida, que mais ninguém conhece.
Fins-de-semana, férias, fins de tarde, na ponta de uma cana de pesca, de um camaroeiro, de um arpão.

Tinha todos os apetrechos, possíveis e imaginários.
Canas em fibra de vidro, e mais pesadas em madeira encerada.
Pequenas e com vários metros.
Rígidas e flexíveis. Artesanais e feitas em larga escala.
Nacionais e importadas.
Cestas para guardar os peixes.
Pequenos arpões. Facas e fio de nylon.
Botas de cano alto. Oleados. Chapéus vários.
Muitos iscos. Coloridos. Com movimento.
Com aromas estranhos.
Em forma disto e daquilo.
E os anzóis? Desde dourada até tubarão, tudo estava contemplado.
Não fosse o Diabo tecê-las…

Naquele dia, escolhera uma zona entre a Boca do Inferno e a Praia do Guincho.
Escolhera um local solitário. Os outros pescadores estavam mais para lá.
Pousara o termos com as cervejas no chão. O saco das sandes. E o transístor.
Guardara as minhocas à sombra.
Encaixara duas canas nuns buracos da rocha e segurou firmemente a terceira, presa entre as pernas.

O mar estava revolto mas peixe nem vê-lo…
Duas horas depois, continuava na mesma posição.
E peixe, nada.
Lembrou-se da mulher, a Sara dos olhos de lago, que andava a ameaçar deixá-lo se ele não parasse, ou, pelo menos, diminuísse, o vício da pesca.
Porque de um vício se tratava.
Todo o tempo livre. Todas as economias. Todas as energias.
Canalizadas para a pesca.
E ainda por cima lá em casa ninguém gostava de peixe.
Oferecia o resultado das suas proezas ao cunhado. Aos vizinhos. Aos colegas do escritório que o achavam meio chalado.

Mas desta vez ele prometera à mulher que seria a sua última pescaria.
Ela agradeceu, comovida.

E agora, nada. Talvez fosse bom assim. Para não ter saudades.

Mas… o que era aquela mancha lá longe?
Uau, grande peixe. Segurou-se melhor.
Prendeu a cana com os joelhos.

Quando a baleia o engoliu, Jonas nem teve tempo de soltar um ui…

Lourenço das Arábias

7 comentários:

  1. Então foi assim que o Jonas foi parar à barriga da baleia ?
    Ainda bem que sabemos que tudo vai acabar com final feliz !
    Belo conto !!!

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  2. Bem escrito...até cheirou a rio e a maresia!
    Cada autor descreve os desfechos que entende, mas a mim sabia-me melhor um final mais "vingativo"!
    Continue Lourenço e surpreenda-me mais!

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  3. Apesar de não gostar de referências bíblicas, até gostei do conto.
    Afinal não gosto só dos dramas das mulheres nem das classes trabalhadoras.

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  4. Tive um ex que se fartava de pescar e um dia desapareceu...
    Terá sido alguma baleia ou terá sido ...uma sereia ?

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  5. Ou então algum nadador salvador...
    Estou só a brincar PG, sem ofensa.
    Quanto ao conto até me despertou vontade de um dia destes ir à pesca.
    Sem baleias, claro.

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  6. Acho curioso o lado solitário e contemplativo dos pescadores e também um bocadinho obsessivos e este conto dá conta disso.

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