sábado, 20 de junho de 2009

O Camaleão

O Tomás era filho único, com poucos amigos e hábitos de introversão muito acentuados.
Quando chegava da Escola, fazia, rapidamente, os deveres escolares e depois metia-se no quarto a curtir a última descoberta.
Primeiro foram os berlindes, e arranjou esferas de vidro de todos os tamanhos e cores. Os perigosos objectos espalhavam-se pela casa toda, até que um dia a Tia Violeta, de visita à cunhada, patinou corredor fora, deslizando num abafador olho-de-boi. Foi o fim dessa colecção.
Mas o Tomás não se ralou, seguiram-se os piões, com desenhos psicadélicos e cores brilhantes, que rodaram pela sala até darem cabo da terrina que a Avó Hermínia deixara no seu, parco, testamento. Acabaram-se os piões.
Depois foi o Diablo, dois pauzitos unidos por uma corda, com um cálice duplo de borracha que subia e descia em acrobacias vertiginosas…até aterrar em cima do Bigodes, o persa querido da mãe, que, rapidamente, mandou o equipamento para o lixo.
Selos, hula hoop, Magic Cards, bichos da conta, tudo passou por aquela casa e, principalmente, por aquele quarto, onde o miúdo se enfiava até ser chamado várias vezes para o jantar, que comia quase sempre já frio enquanto o pai palitava os dentes e a mãe dava uma olhadela distraída, para a novela que passava na altura.
Logo a seguir, era voltar a correr para o quarto, para o vício do momento.

Mas depois dos bichos-de-conta, Tomás meteu na cabeça desenvolver esse seu interesse pelo mundo animal.
Pesquisou na net, durante horas, dias, quais os répteis mais, facilmente, adaptáveis e que não ocupassem muito espaço.
Ao fim de semanas de investigação, optou por um camaleão.
Contou o dinheiro amealhado em aniversários de sovinice, descobriu um criador dos animalejos e lá foi.
Comprou uma gaiola, plantas e troncos para reproduzir o habitat, areia especial tratada, lâmpadas de iluminação e de aquecimento, termóstato, luz vermelha, grilos e minhocas para o alimentar e um pequeno depósito de água com torneira gota a gota.

O bicho, embora tivesse origem no Bornéu, adaptou-se ao quarto do Tomás, de imediato. Era alimentado a horas certas, com uma pinça de madeira.
Cada vez mais grilos e minhocas. E o camaleão ia crescendo a olhos vistos…

Primeiro tinha o tamanho dum canário, depois dum gato, a seguir dum cão.
E grande…Lançava a língua e zás a comida desaparecia.

Durante várias semanas o Tomás não deixou que ninguém entrasse no quarto.
Era ele quem fazia a cama, quem trazia a roupa suja cá para fora, que levava a lavada.
E a comida para o animal era cada vez mais. Lagartixas, ratos e baratas foram sendo substituídos por pernas de frango, bifes do lombo e, até, frangos inteiros que o Tomás ia roubando da arca frigorífica, às escondidas da mãe.

Depois, para grande satisfação da mãe, tornou-se mais sociável e popular.
Começou a trazer colegas para verem a sua mascote, o monstro do camaleão.
A mãe via-os chegar, em grupos de três ou quatro, enfiarem-se no quarto e ficarem lá, num silêncio sepulcral.
Entretida com o jantar, nunca dava pela sua saída.

Mas o Tomás andava felicíssimo…e o camaleão, cada vez maior.

Ernesto E. Minguêi

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3 comentários:

  1. Aplaudo de pé. Muito bom, mesmo.

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  2. The importance of being Earnest dá nisto...

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  3. Por isso é que eu nunca deixei os meus filhos terem bicharocos esquisitos.Safa...

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