Era caixeiro viajante há mais de trinta anos.
Arranjara o emprego ainda antes de casar com a Odete, era ela uma rapariga forte, na pujança dos seus vinte anos.
Dois dias depois, a lua de mel mal começada, lá partiu ele, no seu velho Morris Minor, para terras do sol posto.
Andou por Trás-os-Montes mais de dois meses. Sempre a correr de um lado para o outro.
A mostrar linhas, agulhas e amostras de fazendas.
Não havia ainda telemóveis, nem sequer muitos telefones, por aquelas paragens.
Ele, pelo seu lado, não era muito dado à escrita.
Preferia um jogo de cartas com os colegas que ia encontrando.
Ou namoriscar as caixeirinhas, a quem fazia olhos doces.
Quando voltou a Lisboa, a uma modesta casa de Alfama, é que soube a notícia. Ia ser Pai.
A Odete engravidara na curta lua de mel. Festejaram com dois cálices de Vinho do Porto.
Na semana seguinte desceu até ao Algarve.
Foi nessa viagem que viu pela primeira vez a Idalina.
Três filhos depois, todos da Odete, e cinco anos mais tarde,
já com casa montada à Idalina, em Armação de Pêra, esta disse-lhe
que esperava uma criança.
Encarou o facto com serenidade, aproveitando a sensualidade voluptuosa
da sua mulher do Sul, como lhe chamava, nos poucos momentos que passavam juntos.
No outro dia, logo de manhã, ia partir para Viana do Castelo.
Para conquistar a Mercedes, a coisa fiou mais fino.
Abastada viúva de Vila Verde, fez-se rogada durante quase dois anos.
Foram precisas umas sete ou oito visitas comerciais e a oferta de vários metros de caxemira para a bem torneada balzaquiana lhe abrir as portas da casa e os lençóis da cama.
Mas a espera valeu a pena. O tesouro guardado explodiu em êxtases de prazer que o deixaram preso até guardar, de novo, os mostruários e descer para a capital.
Tinha agora uma mulher no Centro, a Odete, com cinco filhos em escada, uma no Sul, a Idalina, com um casalinho, e a Mercedes, ao Norte, grávida de oito meses.
Falava pouco, com medo de alguma troca ou confusão, nunca se lembrava do lugar onde eram guardadas as coisas, baralhava as portas.
Cumpria, sempre que não andava em viagem, as suas obrigações conjugais, com afinco, deixando as suas três companheiras de olhos humedecidos
E nunca se esquecia de uma prendinha para cada uma.
Pastéis de Belém para a gulosa da Mercedes,
Presunto e farinheiras para a Idalina, que era quem mais gostava de petiscos.
D. Rodrigos e vinho da Lagoa, para a Odete que gostava de beber um copo ou dois, antes de o arrastar para a cama.
Um dia, sentado na puída poltrona, frente à televisão, e sem conseguir perceber como funcionava o comando, finou-se como um passarinho.
A Odete, depois de umas horas de choro, tratou de tudo e pôs o anúncio no jornal.
A Idalina e a Mercedes, com as respectivas proles, chegaram no dia seguinte, para o funeral…
Artur Milhas
quarta-feira, 10 de junho de 2009
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Conheço, dois exemplos, pelo menos, de fulanos que conseguem ter duas famílias sem nenhuma delas conhecer a outra.
ResponderExcluirUm deles é meu colega, está destacado e tem família no Porto.
Como é que souberam tantos pormenores da minha vida ?
ResponderExcluirSituaçãO ficcionada que acontece, muito, na vida real...
ResponderExcluirParabéns ao autor.
Será o da " Morte do Caixeiro Viajante"?
O mesmo Arthur Miller que casou com a Marylin Monroe ?
Anda muita imaginação à solta nesta capoeira.
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