sábado, 13 de junho de 2009

Sem Semelhança

Nasceu pobre, muito pobre, na modesta casa que os pais tinham algures na Beira Alta e que viviam ou melhor, sobreviviam cultivando um pedaço de terra, com algumas galinhas , uma capoeira composta e um pequeno rebanho de cabras.
Quando foi para a escola que ficava a cerca de cinco quilómetros, nos primeiros tempos levado pela Mãe, ia descalço porque não havia dinheiro para uns simples sapatos.
Era quase olhado de lado pelos colegas que se riam dos calções esfarrapados mas que começavam a invejar a sua esperteza e os elogios da professora.
Mais tarde já ia sozinho embora receoso sempre que o Sol não lhe iluminava o caminho, olhando cuidadosamente para todos os lados, avisado que estava da presença de lobos nas serranias.
Com o sempre presente sacrifício dos Pais , incentivados pela professora e protegido pelo velho pároco da aldeia onde se situava a acanhada escola, protegido , foi progredindo nos estudos até que chegou o momento de se inscrever num liceu que o não havia nas proximidades.
Acorreu a solidariedade de todos quantos adivinhavam na criança imberbe um futuro promissor. E assim conseguiu chegar a Castelo Branco, onde completou o terceiro ciclo com uma nota que lhe permitia aceder a uma Faculdade e até a uma bem-vinda bolsa.
Foi para Coimbra.
Na Faculdade de Direito iniciou um novo ciclo na sua jovem vida depois de sofrer os apertos da tradicional praxe que ele suportou sempre com um sorriso nos lábios, mesmo quando o obrigaram a medir a rua da república onde residia, apenas com o recurso a palitos.
Olhando para o mundo que o rodeava percebeu que a participação nas actividades extra escolares lhe poderiam aumentar o número de amigos ou simples conhecidos e talvez viesse a ganhar experiência para a futura entrada na vida profissional que desejava seguir, a advocacia.
Terminado o curso com a boa nota que se previa e depois de voltar a casa para abraçar os Pais e passar umas férias naquele meio que tantas recordações lhe trazia, voltou para Coimbra em busca de um patrono que o aceitasse como estagiário.
Não foi difícil, afinal a nota do curso e a fama que já o acompanhava, tudo facilitaram .
Em breve se inscreveu num partido politico, atraído pelo poder que dali se transpirava e pelos exemplos de gente subindo os degraus da promoção social e riqueza mal escondida.
Deixou crescer o bigode, passou a comprar roupas de marca esticando o ainda curto salário mas já interiorizando uma ambição desmedida.
Foi subindo nos cargos políticos e deitando olhares gulosos para a vida privada, espreitando e agarrando todas as oportunidades para dar nas vistas até se tornar uma figura de referencia, mesmo na Capital.
Um dia foi convidado para Presidente de um Banco.
Nem pestanejou. Apesar de em poucos anos já ter acumulado uma pequena fortuna mercê de favores obtidos ou conseguidos para terceiros, o que de forma alguma agradava ao Pai que na sua isolada viuvez preferia pensar num filho intocável e cumpridor dos princípios que a duras penas lhe tinha procurado incutir.
No amplo gabinete, ali perto do Marquês de Pombal, ia manobrando a seu belo prazer, fortunas incalculáveis aplicadas em processos nem sempre muito claros e que igualmente acabavam por contribuir para o seu constante enriquecimento.
Como ia longe o tempo dos pés descalços, da carne de galinha e do leite das cabras.
Até ficou mais elegante e cativante quando rapou o bigode.
Entregue profundamente aos seus pensamentos, às suas recordações e à tranquilidade da sua larga fortuna acumulada em tão pouco tempo de forma pouco clara e muitas vezes mesmo ilicitamente, nem reparou na bela porta de madeira exótica que se abrira silenciosamente por onde entraram dois Inspectores da Policia Judiciária .
Foi preso. Aguarda julgamento.

Carapau de Corrida

4 comentários:

  1. Huuummm...
    Tenho aqui um nome debaixo da língua que... Espera! Tenho dois! Não! Três!!
    Bem, vou buscar uma calculadora e já volto.

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  2. Ena pá, desta vez Carapau atirou em cheio !!
    Até me parece que acertou em dois melros...

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  3. Nah...
    Esqueça, Zé Manel.
    Afinal é o Vale e Azevedo de novo - que vai cumprir penas atrás de penas por todos os outros.

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  4. Ainda se esta fosse um Fábula com Moral, no fim talvez alguém fosse castigado, mas como não é, imagino que só vai para cadeia...o Vale e Azevedo(como diz a Moira).

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