sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Adeus até ao meu regresso ( Guerra Colonial - Parte I)

Corria o ano de 1969, Neil Armstrong pisara a Lua, o Zip Zip era uma lufada de ar fresco no panorama televisivo, Simone de Oliveira ganhava, pela segunda vez, o Festival RTP da Canção, a agitação estundantil aumentava em Coimbra, Marcelo Caetano , depois da esperança da Primavera Marcelista, transformara a PIDE em DGS e a Censura em Exame Prévio (ou seja, a Evolução na Continuidade ) e um jovem de 24 anos, embarcava, juntamente com outros 2000 mancebos, no paquete Niassa, rumo a Moçambique, onde iria ficar em comissão de serviço, durante os dois anos seguintes.

Em Portugal muitas pessoas conhecem em pormenor a Guerra Civil norte americana, Pearl Harbour, todos os detalhes da Indochina, Vietname ou Iraque.
Porém no que toca à Guerra Colonial, o desconhecimento é generalizado.
Exceptuando os que viveram o acontecimento, para os restantes tal acontecimento histórico fica ao nível das Invasões Francesas, ou do romanceado episódio da Padeira de Aljubarrota.


Mas voltemos ao embarque, era da Rocha de Conde de Óbidos que os navios,rumo às Colónias, partiam. Milhares de Mães, Irmãs, Noivas, Pais, Amigos, despediam-se com gritos lancinantes, lágrimas caudalosas, em dores contidas, dependendo do estilo e temperamento, daqueles jovens que partiam para uma Guerra Salazarenta, com cheiro a bafio e a mofo.
Uma guerra injusta, para ambas as partes, que separava famílias, destruía lares, interrompia estudos e carreiras, num esvaír de vidas e capitais, que só poderia terminar, como terminou .
Depois de se deixar Lisboa, navegava-se durante cerca de dez dias até Luanda, onde se parava para abastecer e se tinha o primeiro contacto com a realidade africana, descendo -se, depois, até à cidade do Cabo e recomeçando a subir, parando nos diversos portos moçambicanos.

Eu, o tal jovem
de 24 anos,
tinha sido o
1º classificado
do meu Curso,
Fotografia e Cinema,
e como as mobilizações eram feitas
a partir dos últimos, nunca acontecera,
até então, um 3º lugar ir para o Ultramar.
Logo teria que ser nessa altura
e, assim, depois de ter feito dois anos
no Continente, lá ia eu para Moçambique.
Confesso que as últimas noites, em Lisboa, foram passadas em claro, pois estava plenamente convencido de que não voltaria.
Que iria ficar morto ou estropiado, como tantos outros, nas picadas africanas, atingido por um tiro solitário ou pelo deflagrar de uma mina antipessoal.



O Niassa era um paquete, também, utilizado para viagens turísticas e com capacidade máxima para 300 pessoas.
Relembro que, neste caso,
eram dois milhares, os passageiros.
Nós, os milicianos, tinhamos camarotes para quatro pessoas,
umas cinco refeições diárias,
jogos e animação nocturna.
O que me levou a escrever este texto, para que não se dilua
no esquecimento,
eram as condições desumanas,
em que os soldados e cabos,
a carne para canhão, estava acondicionada.
Amontoados nos porões e tombadilhos,
com duas parcas refeições, de baixa qualidade,
dormindo entre vomitado e a água das lavagens das cozinhas, estes homens viajaram durante , mais de um mês, em direcção a Lourenço Marques , actual Maputo,
Beira ou Nacala, dependendo do destino final.

E lá iam eles lutar por um ideal que não partilhavam e, na maioria dos casos, até não conheciam, só para honrar as palavras de um ditador proviciano, amargo e isolado, que entretanto já caira da cadeira do poder, no duplo sentido, "O Ultramar Português não está à Venda" ou "Temos que Honrar os Mortos e ser Orgulhosos dos Vivos".
Muitos destes meus companheiros de viagem viriam a morrer, ou regressaram inválidos de corpo e alma, sem nunca receberem Honras ou o Orgulho dos seus compatriotas.
Mas esse será outro capítulo desta triste história, se eu, um dia, a continuar a escrever...

2 comentários:

  1. João, face a um post desse não há palavras...
    Tudo o que posso dizer é que tive uma sorte do escanimambo (tinha 20 anos em Abril de 74, faculdade e 'adiamentos'...)
    Andava a pensar nisso há muito tempo, será que vou para lá matar e morrer por algo em que não acredito, ou que envergonho a família toda ('ene' gerações de militares de carreira, térétété) e me piro para Paris, como muita gente ?
    Fui poupado à escolha, mas a porcaria que era o regime literalmente destruiu a vida de uma data de pessoas, cá e lá.
    Muita sorte o idiota das botinhas ter caído de uma cadeira de lona, e o idiota que lhe sucedeu ter sido metido numa chaimite e enviado para o Brasil. Eles deviam era ter sido todos julgados em Haia ou assim, e ficar a apodrecer numa preisão alemã ao lado daqueles todos cujos nomes terminam im 'ic'.
    Ele que venha um raio e que os parta retrospectivamente...

    Abraxas,

    A.

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  2. Sabes, António, o "Galo" ,para além dos asuntos actuais, tem tido o mérito, para mim, de me fazer lembrar de coisas, pessoas ou situações past, e eu não sou, por hábito, muito voltado para rectroactivos, mas este post e as recordações associadas fizeram-me passar completamente dos carretos e acho que, embora tenha prometido, não vou continuar com a série...

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