quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Milagre de...Eunice Munoz

Sei que não vão acreditar, mas os aplausos irromperam
e toda a plateia manteve-se de pé durante cerca de meia hora
(... sim, eu sei que meia hora é muito tempo!) numa intensa ovação,
como muito poucas vezes assisti,
depois dessa noite memorável de 1963.
Eu tinha apenas 18 anos, o Teatro era o Avenida, a peça O Milagre
de Anne Sullivan, " The Miracle Worker", do dramaturgo
William Gibson, e as actrizes que interpretavam Helen Keller
e a sua professora Anne Mansfield Sullivan, eram, respectivamente,
a jovem Guida Maria, com apenas 13 anos, e Eunice Munoz.
Esse papel dar-lhe-ia, aliás, um dos inúmeros prémios que recebeu
na sua longa carreira- neste caso, o Prémio de Melhor Actriz do SNI,
ex-aequo com Laura Alves.
Nesse mesmo ano, tive o prazer de ver Eunice, numa outra peça,
O Adorável Mentiroso, de Jerome Kilty, que dramatizava
a longa correspondência entre Bernard Shaw, num registo
pouco vibrante de Jacinto Ramos, com Stella Campbell,
sua amiga/amante, insuportável e, em simultâneo, imprescindível.
De novo, Eunice Munoz esteve bem, mas nem o tema,
nem a encenação, com a continuada leitura das missivas,
nem o seu partenaire, permitiram a mesma comunhão,
com o público, da obra anterior.
O espectáculo foi no Teatro Monumental, e a minha companhia
lembrava a protagonista, insuportável, algumas vezes,
e imprescindível, na maioria do tempo.
Uma Amizade que ficaria para sempre...









A carreira de Eunice seguiu, depois, caminhos muito variados,
quase sempre aproximando-se da excelência, nos seus desempenhos.
Verão e Fumo de Tenessee Williams, Fedra de Racine,
As Criadas de Jean Genet, Felizmente Há Luar de Luís de Sttau Monteiro, A casa de Bernarda Alba de Garcia Lorca
ou a, de novo, inesquecível Mãe Coragem de Bertolt Brecht.
Mais recentemente, Miss Daisy ou Dúvida, com Diogo Infante dariam a conhecer Eunice, às gerações mais jovens.






No Cinema trabalhou com os Realizadores Lauro António, Fernando Lopes, José Nascimento ou João Botelho em películas como Manhã Submersa, Matar Saudades, Repórter X ou Tempos Difíceis.


Tendo recusado, durante anos, entrar no mundo da Televisão, protagonizou a célebre
Dona Branca, na telenovela
A Banqueira do Povo, com êxito assinalável, a que se seguiram Todo o tempo do Mundo,
com Ruy de Carvalho,
Porto dos Milagres
ou Coração Malandro.








Como o "Galo" é, também, uma espécie
de caderno de viagens deste vosso criado,
não resisto a contar uma pequena estória.
Um Domingo, estando eu no Mercado de Artesanato de Nampula,
que se realizava, todos os fins-de-semana em frente à Catedral,
a apreciar as habituais esculturas em madeira feitas pelos Macondes,
ao olhar para o lado, vi a Eunice Munoz, no auge dos seus quarenta anos, com uma indumentária meio hippie, meio indiana, acompanhada por um homem bastante mais novo, muito bonito,
todo vestido de branco, como que acabados de sair do Out of Africa ( ...que ainda não existia).
A companhia masculina, vim a saber depois, era o poeta e ensaísta
António Barahona da Fonseca, seu terceiro marido, que poucos anos
depois se converteria ao islamismo e adoptaria
Muhammed Rashid, como nome alternativo.
Aqui fica esta pequena curiosidade narcisística...

Uma vida dedicada à arte da Representação tão cheia como a de Eunice não cabe nos limites deste post, mas para além do já referido, esta Artista dedicou-se à divulgação dos seus poetas preferidos, como Florbela Espanca ou António Nobre, abordou a encenação com A Voz Humana de Jean Cocteau ,
fundou a Companhia Somos Dois com José de Castro ( com quem viajou em digressão a Moçambique, na historieta narrada acima) e a CPC, Companhia Portuguesa de Comediantes com Raúl Solnado, foi condecorada por Mário Soares, tem um Auditório, com o seu nome, em Oeiras, e, em 2008, foi agraciada com o Globo de Ouro de Mérito e Excelência.
Para uma pessoa que nasceu há 80 anos, em Amareleja (... mas alguém nasce em Amareleja?) é quase ...um Milagre, não lhes parece?!????

2 comentários:

  1. "Estreámo-nos" ambos, na Eunice Munoz, com a mesma peça, que também nunca esquecerei!
    Acompanhei toda a carreira dela, até ao presente e, apesar de ser - felizmente - muito longa, é preciso não esquecer "António Marinheiro ou Édipo de Alfama", de Bernardo Santareno, com José de Castro; conheci-a pessoalmente nessa noite, nos tempos idos do Parque Mayer, e recordarei sempre a forma como me olhou...

    E já agora, com quêm é que foste ver "O Adorável Mentiroso"?!

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  2. A memória pode ser um fardo pesado...mas a falta dela é ainda pior.
    As pessoas com quem vi "O Adorável Mentiroso"...eram a D.Isabel et toi même.

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